quinta-feira, 16 de junho de 2011

Escritos sobre o amor, desejo e gozo - Introdução

 
Escher

 Odilon Redon 

"O amor é um grande laço, um passo pr'uma armadilha." Djavan

A porta de entrada da psicanálise foi através do amor. No início era a escrita freudiana. Não era cuneiforme, mas já impunha suas marcas em alcovas ainda não exploradas. Sigmund Freud inventou um inédito tratamento através da palavra. Mas, teria inventado a psicanálise se não houvessem as histéricas para lhes supor um saber? A palavra só teve o estatuto de viabilidade de tratamento através do momento em que Freud não abdicou do lugar de escutar o que suas pacientes diziam num instável mais-além das palavras. Ali, no coração da dor e dos semblantes obscuros da loucura, quando todos pareciam voltar-lhes as costas ou, o que era pior, quando a prática médica consistia no isolamento manicomial como tratamento possível à indesejável loucura, Freud inquietou-se em sua escuta para tentar decifrar o insondável e o indizível do desejo inconsciente. A não ser através da literatura, a palavra ainda não havia encontrado lugar tão importante na economia libidinal dos sujeitos. O amor encontrava na palavra não apenas uma possibilidade de significação, mas principalmente, a ressonância ao seu clamor de ser escutado. Surge também o desejo do analista como contraponto ao amor dos pacientes. 
Então, se a porta de entrada foi através do amor, é porque foi um amor ao saber. O verbo que se fazia carne recebia o nome de somatização. O corpo erógeno deslocou-se de lugar ganhando eine andere shauplatz, uma outra cena diferente daquela que até então se conhecia. O palco do corpo como espetáculo para o teatro histérico precisava não de uma plateia, mas de uma escuta. Assim, deslocava-se também a modalidade do olhar médico sobre "o corpo dos volumes e das formas" (Bichat), para a escuta da palavra que em seus tropeços e vagidos da memória intermitente, jorrava luzes difusas sobre um corpo sofrido, apaixonado em seu pathos: o corpo pulsional. 
O desejo inconsciente revelado na interpretação de sonhos, mostrou a Freud uma outra realidade, a única verdadeiramente a lhe interessar: a realidade psíquica. Se o amor e seus laços tinha sido a porta de entrada, o desejo era a estrada a ser percorrida. Originalmente recalcado, o desejo suscitaria no primeiro analista um esforço para não esmorecer diante de sua descoberta inaugural. Assim, ele afirmou sobre o perigo de "ceder-se primeiro em palavras, depois em ideias". E havia um longo caminho, sua Via Régia, para ser percorrida. Não bastava ter descoberto o desejo. As armadilhas que o desejo apresentava, edificava barreiras para o jovem Freud. A angústia, termo de suas primeiras descobertas, ganhava aos poucos uma importância central em sua teoria advinda da clínica. A "impossibilidade de se traduzir a emoção em palavras" dava ao corpo o sofrimento não escoado pala palavra: angústia. No fim e ao cabo, angústia de castração.
Para avançarmos até o momento em que queremos nos situar, Lacan, em seu retorno a Freud, dá ao termo gozo a vicissitude necessária para repensarmos o amor e o desejo. A frase de Lacan é: “só o amor permite ao gozo condescender ao desejo” (1962-63:197) O seminário, livro 10, A angústia. 
Por que o gozo, uma espécie de espiral infinda de prazer+sofrimento, que não se submete a nenhuma lei, pode, através do amor, fazer alguma concessão ao desejo?

"O amor e a agonia cerraram fogo no espaço
Brigando horas a fio, o cio vence o cansaço
E o coração de quem ama fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando, que nem o meu nos seus braços." Djavan
 

Continua.

6 comentários:

  1. Excelente tematica..vou acompanhar...sua pergunta é uma questão para mim...parabens

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  2. Carlos, adorei. A temática é maravilhosa e a porta de entrada foi boa. Como vc vai administrar tantos blogs, aí... vou acompanhar também.

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  3. Adorei a temática, tão presente em nossa prática clínica.
    Um abraço

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  4. Gostei muito de sua inquietação. E vou ousar comentar o que me vem à cabeça ( uma espécie de associação de idéias, que pode não ter a ver com a questão, mas que me trouxe tb inquietação.) Embora tb psicanalista, gosto de referenciar com a kabala judaica. D-us criou o mundo com a palavra e somente porque porque DESEJOU. Não há motivo para o desejo. "Eu desejo, e pronto. É isso aí." Não existe sexo sem amor. Isso é um mito esquizofrenico da modernidade.

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  5. cada um tem a sua loucura. a minha é essa página em branco e a incerteza do amanhã. por isso, quando não sei, escrevo. e descubro que viver ainda é o melhor meio de ignorar a vida: armadilha.

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  6. Talvez por que o gozo seja uma representação do desejo?

    I'm over my head here rsrsrsrs mas estarei por aqui seguindo as reflexões que prometem!

    beijo
    Anne

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